Democracia: Muito mais que um conceito

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 “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam” (Arnold Toynbee)
Imagine um mundo onde você não possa expressar livremente suas opiniões. Pense num lugar no qual o ir e vir não é permitido sem autorização e monitoramento por parte de algum órgão ou poder. O que significaria abrir mão da possibilidade de navegar na internet ou ser orientado a visitar somente sites autorizados por um governo? E se prevalecesse um regime de partido único, onde as vozes dissonantes, de oposição, resultassem em censura, prisão, exílio ou morte?
Você gostaria de viver num país assim?
Os gregos antigos, em Atenas, ao pensarem na Democracia (Demos = povo; Cratos = Governo), se articularam exatamente para que sistemas repressivos, autoritários, que beneficiam alguns em detrimento da maioria e que calam a voz de seus opositores fossem suplantados e que, em seu lugar, se estabelecessem estados em que as questões de interesse geral fossem discutidas em praça pública, com a participação aberta aos cidadãos, com a prevalência da vontade da maioria.
É certo que a democracia ateniense não conseguiu realizar seu intento máximo por circunstâncias do contexto em que se configurou, ou seja, excluindo escravos, estrangeiros, mulheres e menores de idade. O conceito, porém, ganhou vida então e, desde lá, tempos longínquos, antes de Cristo, permaneceu não apenas no imaginário das pessoas e estudiosos, mas foi sendo aperfeiçoado, repensado, atualizado…
No século XVIII, com o pensamento iluminista de Rousseau, Voltaire e Montesquieu, entre outros, o regime democrático foi aperfeiçoado com o surgimento de ideias como os três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), a liberdade de imprensa e expressão, a educação pública, o contrato social (associado modernamente as constituições democráticas) e culminando com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, colocada em vigor durante a Revolução Francesa (1789-1799) e a validação de direitos vários, entre os quais, aqueles considerados inalienáveis, como a vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade.
Pode-se até questionar a eficiência dos regimes democráticos quando somos confrontados com dados sociais que alguns países apresentam, como o próprio Brasil, quanto a distribuição de renda, a pobreza que ainda aflige expressiva quantidade de brasileiros, a violência urbana e seus dados alarmantes, a educação do país que está entre as piores dos rankings mundiais, a saúde pública a se mostrar ineficiente para atender as necessidades da população em tantos momentos, o desemprego…
Sem dúvida alguma há muitos problemas a serem solucionados… No entanto, a supressão dos expedientes democráticos, como as liberdades individuais, o direito de ir e vir, a livre expressão de ideias, a existência de uma imprensa capaz de informar sem mordaças ou censuras, entre outras características inerentes a Democracia, não resolveria tais questões e, certamente, tornaria ainda mais dolorosa a existência.
George Orwell, em sua clássica obra “1984”, projeta a vida num futuro em que prevaleceriam expedientes anti-democráticos, autoritários, repressivos, de censura. O estado onipresente, a tudo e todos controlaria a partir de suas redes e telas que por todos os lados induziriam o povo a pensar e agir de acordo com seus ideais e interesses. Opiniões contrárias seriam perseguidas, proibidas, agredidas, silenciadas e exterminadas.
No Brasil já vivemos situação parecida em alguns momentos de nossa história. Durante o Governo Vargas e, mais recentemente, em virtude da Ditadura Militar, tivemos a mídia censurada (em lugar de editoriais contrários ao governo e sua linha dura os jornais publicavam receitas de bolo ou deixavam espaços em branco), os opositores expulsos, torturados ou mortos, o cala a boca em lugar da liberdade de expressão, o medo e a virulência ao invés da confiança, da paz e da segurança.
Se na Democracia padecemos ainda com a corrupção, os interesses de políticos e seus aliados que se sobrepõe aos da maioria da população, invertendo a própria lógica e dinâmica dos ideais democráticos, é certo que a supressão deste regime político não soluciona tais problemas. A instalação de práticas autoritárias torna, por sua vez, mais fácil a criação de meios e expedientes para corromper, desviar dinheiro, privilegiar grupos e pessoas ao invés de trabalhar em prol do interesse coletivo acabariam, utilizar da violência para coagir as pessoas a aceitar e se submeter aos grupos dominantes e seus interesses…
Democracia é um regime político imperfeito. É obra de seres humanos que são, também, imperfeitos, imprecisos, fadados ao erro. Ainda assim, em sua concepção, origem e definição, a proposta democrática é desde sempre a melhor já surgida entre os homens. Sua execução é, no entanto, resultado dos homens, de suas ações, de seus pensamentos, de seus erros e acertos. É possível aperfeiçoar e melhorar a democracia, seja conceitualmente ou, mais importante, em sua execução, vivência, resultados…
As eleições, como elemento democrático dos mais representativos, são os momentos em que tais ideias devem prevalecer não apenas no exercício do voto, da escolha, da opinião, da manifestação das diferentes ideias e do respeito e tolerância as diferentes propostas. É, por certo, poderosa ferramenta em prol da própria sobrevivência da democracia. Os partidos, a princípio, devem representar o povo em suas demandas, agindo de forma a privilegiar o coletivo em detrimento do pessoal ou do particular. Caso isso não aconteça, os expedientes legais da própria democracia preconizam o direito de cassar políticos e partidos que não atuem em prol da comunidade que representa. Isso pode ocorrer legalmente, com a abertura de processos e trâmites no legislativo e judiciário, ou ainda por meio das eleições, com a rejeição da partidos e candidatos envolvidos em ações e práticas rejeitadas pela população.
As manifestações públicas são igualmente momentos importantes para a democracia. Demonstrar insatisfação quanto a corrupção, impunidade, má gestão do dinheiro público ou levantar bandeiras importantes como a necessidade de reforma política e tributária, são legítimos instrumentos de expressão dos anseios e  necessidades da população. Lutar por um país onde a educação, a saúde, o transporte, a cultura, a segurança e outros direitos essenciais é vivenciar de forma direta a democracia e apresentar aos governantes eleitos que os rumos da política nacional não estão de acordo com o desejo e as reais carências percebidas pelos cidadãos. A legitimidade, no entanto, perde-se se há violência ou qualquer tipo de depredação ou vandalismo.
O Brasil já vivenciou momentos de expressão democrática, nas urnas ou nas ruas, na luta pelas Diretas Já, depois de mais de 20 anos de ditadura militar; no movimento dos cara-pintadas exigindo o impeachment de Fernando Collor nos anos 1990; e, agora, com tantas pessoas manifestando-se pelas ruas de todo o país contra tantas irregularidades percebidas no país, como o aumento das tarifas de ônibus, a corrupção, a inflação, os gastos excessivos com a Copa, a impunidade…
Democracia, no entanto, é exercício constante, em permanente execução, por isso mesmo, é preciso considerar que a vivência do estado democrático de direito ocorre em aprendizado cotidiano, justamente como nos ensina um de nossos expoentes políticos, Teotônio Vilela, com sua breve reflexão sobre o tema:
“A Democracia não é coisa feita. Ela é sempre uma coisa que se está fazendo.
Daí porque ela é um processo em ascensão. É a experiência de cada dia que dita o melhor caminho para ela ir atendendo às necessidades coletivas. O que há de belo nela é isto. É que ela tem condições de crescer, segundo a boa prática que fizermos dela.”
Por João Luís de Almeida Machado

One thought on “Democracia: Muito mais que um conceito

  1. Prezado João

    Apreciei muito os seus textos e me identifico bastante com as idéias
    expostas. Congratulações pela iniciativa.

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